terça-feira, 12 de outubro de 2010

SOMOS TODOS EGOÍSTAS, MAS ISSO NÃO É TÃO MAU ASSIM

Não há novidade alguma em dizer que no mundo em que vivemos existe um imenso abismo que separa ricos de pobres. O desenvolvimento tecnológico trouxe consigo uma enorme capacidade de produzir riqueza, mas mesmo assim milhões de pessoas, com renda insuficiente para satisfazer suas necessidades fundamentais, padecem na miséria absoluta. É possível um mundo diferente? Uma sociedade justa, fraterna e igualitária é possível, ou uma simples utopia?

Em meados do século XIX, o filósofo e economista alemão Karl Marx lançou as bases do que ele acreditava ser o “socialismo científico”: um novo mundo, sem desigualdade, injustiça ou exploração. Em sua obra mais importante, O Capital, Marx explica como seria esse novo mundo. Nessa nova sociedade, não haveria divisão de classes, os recursos de produção pertenceriam à coletividade e não haveria mais a exploração do homem pelo homem. Teríamos enfim uma sociedade mais justa, fraterna e igualitária.

KARL MARX

A Revolução Russa, em 1917, permitiu que as idéias de Marx fossem testadas pela primeira vez. Contudo não se pode dizer que o resultado do modelo socialista imposto pela ditadura do proletariado tenha sido exatamente um sucesso. No lugar de um conto de fadas, o socialismo transformou-se em um filme de terror. No lugar de uma sociedade justa e fraterna, construiu-se um estado despótico e cruel. Campos de trabalhos forçados, opressão, perseguições, fomes coletivas e corrupção foram apenas algumas das marcas deixadas do socialismo.

O que deu errado? Talvez o problema não estivesse na teoria de Marx. A culpa talvez fosse daqueles que tentaram implementar o novo regime, sobretudo  Stalin. Sim, provavelmente ele foi o culpado. O dirigente russo não leu, não compreendeu ou simplesmente desvirtuou a obra de Marx. O problema não estava no marxismo. Esse continuava puro, perfeito, imaculado. O erro estava na ignorância daqueles que não souberam colocar a doutrina em prática.

STALIN

Para os que ainda defendem essa tese, convém lembrar que houve tentativas de se implementar o socialismo em todos cantos do mundo. Europeus, asiáticos, africanos e latino-americanos fracassaram ao tentar aplicar o modelo marxista. O socialismo não vingou em nenhum ponto desse planeta. Após a queda do muro de Berlin, os países da zona de influência da União Soviética puderam escolher em permanecer comunistas ou buscar um outro caminho para alcançar o desenvolvimento. Coincidentemente, quase todos deram um meia volta volver à direita e abraçaram a economia de mercado. Do antigo regime, restaram apenas Cuba e Coréia do Norte, dois tristes exemplos de estado autoritário e economia falida.

 Mas por que, afinal de contas, o socialismo deu errado? O fracasso desse modelo não tem uma única causa, mas vou tratar aqui de um ponto apenas. Um equívoco monumental de Marx foi não compreender corretamente a natureza humana. As pessoas são naturalmente egoístas. Talvez um dia a genética saiba explicar melhor a razão do nosso egoísmo, mas é certo que ele não é fruto do capitalismo. Um modelo econômico baseado na livre iniciativa, na perseguição do lucro e na competição provavelmente estimula ainda mais esse traço do nosso caráter, mas o egoísmo não nasce com o capitalismo, nem o socialismo pode ser a redenção.

Quando digo que as pessoas são naturalmente egoístas, não significa que as pessoas sejam exatamente más. Significa apenas que as pessoas pensam primeiramente nelas próprias e depois nos outros. Uma ditadura instituída para promover o bem estar geral, será mais cedo ou mais tarde capturada por pessoas egoístas que se utilizarão do poder a elas atribuído para obter benefícios privados, porque essa é a verdadeira natureza humana.

O escritor inglês George Orwel, através de uma sátira inteligente e divertida chamada A Revolução dos Bichos, demonstra justamente isso, como a quimera de um paraíso comunista sucumbe perante o egoísmo humano. Em uma fazenda, animais, explorados por humanos resolvem fazer uma revolução. Liderados pelos porcos, eles tomam o poder. Mas com o passar do tempo, os porcos transformam-se na nova classe dominante e passam a explorar os outros animais e a agir da mesma forma interesseira, egoísta e cruel que os humanos.

 A REVOLUÇÃO DOS BICHOS

Se o ser humano é egoísta, então não é possível melhorar a sociedade? Estaremos condenados a viver eternamente em um mundo cheio de sofrimento, privações e injustiças? Bem, as coisas não são assim tão dramáticas. Nós seres humanos somos naturalmente guiados pelo auto-interesse. Mas isso não é tão ruim, podemos até encontrar algo de positivo nisso.

Adam Smith, pensador liberal do século XVIII e considerado por muitos o pai da economia moderna, no seu livro clássico Uma Investigação sobre a Natureza e as Causas da Riqueza das Nações, escreveu:

"não é da benevolência do padeiro, do açougueiro ou do cervejeiro que eu espero que saia o meu jantar, mas sim do empenho deles em promover seu auto-interesse".

Em uma parte outra parte do mesmo livro, Smith imortalizou uma expressão para explicar o funcionamento de uma economia de mercado. Pessoas buscam sempre o interesse pessoal, mas são guiadas por uma “mão invisível” a produzir um benefício social. A “mão invisível” representa o sistema de preços que regula o funcionamento do mercado. Essa é até hoje a metáfora mais famosa da economia.

"Assim, o mercador ou comerciante, movido apenas pelo seu próprio interesse egoísta, é levado por uma mão invisível a promover algo que nunca fez parte do interesse dele: o bem-estar da sociedade."
 ADAM SMITH

Mas o egoísmo humano não pode ser destrutivo? O filósofo inglês Thomas Hobbes, aproximadamente cem anos antes de Adam Smith, concluiu exatamente isso. Nas palavras de Hobbes, “o homem é o lobo do homem”, pessoas guiadas por um auto interesse sem limites, pelo desejo de poder e riqueza irão deflagrar uma guerra de todos contra todos. Essa é a verdadeira natureza humana. Para evitar a guerra civil permanente, as pessoas concordam em abrir mão de parte parte de sua liberdade e criam o estado. A esse, Hobbes deu o nome de um monstro mitológico: Leviatã. Ou seja, para protegerem de si próprias, as pessoas criam um monstro e dão a ele poderes para controlar as pessoas. Mas quem irá controlar a criatura? Essa é uma questão interessante, mas que foge ao escopo desse artigo, então não vamos nos aprofundar nesse ponto.

 O LEVIATÃ

O que diria Smith sobre o Leviatã? O pai da economia moderna era mais otimista em relação ao ser humano. As pessoas são auto-interessadas, mas, apesar disso, são capazes de desenvolver empatia, de se colocar no lugar do outro e estabelecer regras para o seu próprio comportamento. Portanto, somos egoístas, mas nosso egoísmo é limitado por regras auto-impostas e não se degenera para um estado de natureza hobbesiano. Smith é um excelente exemplo do que hoje chamamos de humanista laico ou secular, uma pessoa que refletiu e teorizou sobre como, baseando-se na razão e não na fé, crenças ou religião, é possível construir uma sociedade melhor e mais justa.

Bem, sobre justiça, há muito que falar. Talvez esse seja o meu próximo tema. Nesse artigo, tratei apenas do egoísmo humano e suas consequências. Fique à vontade para comentar o que você  acabou de ler, quer você tenha gostado ou não. O importante é debater ideias. Até uma próxima.


Um comentário:

  1. O discurso bem articulado e quase didático estimula o interesse do leitor. E transformar temas político-econômico-filosóficos em algo interessante não é para qualquer um... Parabéns, Professor Ivan ! Forte abraço do Sérgio Jácomo !

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