quinta-feira, 9 de setembro de 2010

As Janelas Partidas de Nossas Instituições

O que a recente quebra de sigilo fiscal da Receita Federal pode ter a ver com a bastante discutida Teoria das Janelas Partidas? Muito, no meu entender.

No final dos anos 1960, pesquisadores da Universidade de Stanford, nos EUA, abandonaram duas viaturas, uma no Bronx, em Nova York, bairro pobre e conflituoso àquela época, e outra em Palo Alto, zona rica e tranqüila da Califórnia.

Em poucas horas, a viatura do Bronx começou a ser vandalizada. Tudo o que havia de valor foi arrancado e roubado, o que sobrou foi destruído. Enquanto isso, o automóvel de Palo Alto permanecia intacto.

O mais surpreendente, contudo, aconteceu a seguir. Passou-se uma semana e a viatura do bairro rico continuava intocada. Os pesquisadores resolveram, então, quebrar um dos vidros do automóvel e aguardar os resultados. Uma janela partida desencadeou no bairro rico a mesma ação perpetrada no bairro pobre. O automóvel de Palo Alto foi igualmente vandalizado e destruído.


O que é possível deduzir dessa experiência? Uma janela quebrada representa descuido, desinteresse ou deterioração. Se em uma comunidade há sinais de deterioração e ninguém se importa, a tendência é que o delito ali se instale. Uma simples janela partida pode levar uma sociedade a quebrar seus códigos de convivência e gradativamente produzir uma violência descontrolada.

Se um edifício tem uma janela partida e ninguém toma providência, em breve vândalos quebrarão outras janelas. Poderão então invadi-lo, destruí-lo ou incendiá-lo. Se alguém abandona lixo no passeio publico e esse não é recolhido, a tendência é que outras pessoas passem a deixar ali também o seu lixo. Por que não? Afinal de contas ninguém se importa mesmo.

A Teoria das Janelas Partidas foi colocada em prática pela primeira vez no metrô de Nova York, nos anos 1980. Pequenos delitos como pichações, sujeira e desordens foram reprimidos. O ambiente hostil e violento do metrô foi transformado em local seguro. Na década seguinte, o prefeito da cidade, Rodolph Giuliani, baseado nessa experiência, colocou em prática um programa de combate a violência conhecido por Tolerância Zero. A ideia consistia em combater a violência a partir de pequenas transgressões. Em comunidade limpas e ordenadas não se formam pequenos infratores que poderiam se transformar em violentos criminosos.

No Brasil, parece que essa teoria tem sido aplicada de forma inversa. Há muito nos acostumamos com o inaceitável. Vandalismos, pichações, sujeira, desordens, tudo foi aceito pelas pessoas como se isso fosse parte de nossa cultura. Andamos pelas ruas e vemos crianças abandonadas, favelas, moradores de rua, usuários de droga e também ninguém se importa. Talvez isso também tenha a ver com nossa cultura, com o nosso jeito de ser.

CRIANÇAS USANDO DROGAS

A falta de ética na política sempre foi muito bem aceita por brasileiros. Antigamente se justificava os desvios de um certo político com uma frase famosa: “ele rouba, mas faz”. O atual partido que governa o país no passado era um crítico voraz da corrupção. No poder, mostrou-se igual ou talvez pior dos que aqueles que criticava. Mesmo assim, após sucessivos escândalos envolvendo o governo, o Presidente da República bate recordes de popularidade. A ética do “rouba, mas faz” parece se manter.

Recentemente dados da Receita Federal de cidadãos brasileiros foram violados. O Ministro da Fazenda responde que “vazamentos sempre ocorreu”, ou seja, vamos nos acostumar a isso também. Assim como a pobreza aviltante, a robalheira, o fisiologismo, o nepotismo, agora o ataque às nossas instituições deve ser interpretado como algo normal. Sempre foi assim, quem se importa com isso?

E, de fato, ninguém parece se importar. A candidata a presidente pelo partido que, a que tudo indica, planejou o quebra do sigilo da Receita Federal permanece em primeiro lugar com 50% das intenções de voto. Ou seja, uma janela foi quebrada, ninguém se importou. Várias outras também o foram. Agora os vândalos invadiram e começam a atear fogo no edifício. A população assiste ao espetáculo dantesco com ares de conformidade. Sempre foi assim. Por que nos importar?

3 comentários:

  1. Parabéns pela iniciativa, Ivan. Você sempre teve um ângulo diverso a mostrar das coisas.
    No entanto, não creio nesse "algo" subjetivo que leva as pessoas a "quebrarem janelas". Acho que são as coisas objetivas é que explicam esse quadro. É contra a concorrência interpessoal que leva as pessoas a pertencerem ao grupo dos "quebradores de janelas". Se a estrutura social fosse outra, pergunto, por que quebrar algo que também é seu e que você contribuiu para criar e construir? Não, meu amigo, a janela que devemos quebrar reside em outro lugar, muito mais social, muito mais estrutural, do que objetivado, cristalizado em um objeto apenas.

    Forte abraço.
    Ely

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  2. Muitooo benvindo mais um Blog! É muito bom poder trocar idéias!
    Como você mesmo citou, os próprios pesquisadores "tomaram a iniciativa" de quebrar a janela... isso me lembra o atentato no "Rio Centro".
    Parabéns! Escreva muitoooo!

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  3. Parabéns professor, este é um assunto que realmente devemos levar a discussões profundas.

    Abs,

    Joel Jr.
    ADM FMU Morumbi

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