domingo, 5 de dezembro de 2010

DESENVOLVIMENTISTAS VERSUS MONETARISTAS


Pouco tempo após ter sido escolhida a nova presidente do Brasil, Dilma Rousseff, no intuito de acalmar o mercado, já tratou logo de anunciar os principais nomes da nova equipe econômica. No ministério da Fazenda, foi mantido Guido Mantega. Para o cargo de presidente do Banco Central, sai Henrique Meirelles e entra Alexandre Tombini. Logo começaram as especulações. Quem é esse tal de Alexandre Tombini? Ele é desenvolvimentista ou monetarista? Isso era o que todos profissionais do mercado financeiro queriam saber. É bom que não seja desenvolvimentista, pois isso pode deixar o mercado tenso.


ALEXANDRE TOMBINI: desenvolvimentista ou monetarista?

Eu imagino o mercado financeiro como uma senhora muito, mas muito nervosa. Qualquer boato pode deixá-la estressada e ela pode até enfartar. Então, para evitar uma tragédia, melhor anunciar rapidamente quem será a equipe que irá comandar a economia brasileira nos próximos anos e acalmar essa senhora.

Mas esse tal Alexandre Tombini ... qual a sua posição ideológica? Por fim, disseram que o novo presidente do Bacen não é nem desenvolvimentista nem monetarista, é um economista em cima do muro. Menos mau, não era a notícia que o mercado queria ouvir, mas pelo menos ele não é desenvolvimentista e isso deixou nossa amiga um pouco mais calma.

Você sabe qual diferença entre desenvolvimentismo e monetarismo? E por que o mercado tem esse preconceito contra os desenvolvimentistas? Será que eles são tão maus assim?

Para entender essa questão, vamos retroagir um pouco no tempo. Vamos para França do século XVIII. O capitalismo ainda estava nascendo e convivia com os resquícios do antigo regime. Alguns intelectuais queriam promover uma mudança radical na sociedade e passaram a divulgar uma idéia um tanto estranha para a época. A economia, assim como a natureza, seria regida por suas próprias leis. Nós não sabemos exatamente de onde elas vêm, mas percebemos a sua existência. Qualquer intervenção do Estado é prejudicial. Quanto mais livres forem os mercados, mais eficiente será a economia. Esses pensadores ficaram conhecidos como fisiocratas (fisio = natureza; cracia = leis ou regras). Com a Fisiocracia, estava lançada a semente do liberalismo econômico. Segundo essa doutrina, a melhor forma de organizar a atividade econômica é através de mercados livres. Talvez você já tenha ouvido a expressão “laissez faire” (deixai fazer), que, dentro do contexto econômico, significa simplesmente liberalismo.


FISIOCRACIA: a economia está submetida a uma ordem natural.

O liberalismo econômico nasceu no século XVIII, mas somente iria ganhar força e se transformar no pensamento dominante no século XIX. Todavia, nem todos pensadores da época ficaram convencidos disso. Alguns não acreditavam nessa capacidade do mercado de se auto-regular. Achavam que o capitalismo era intrinsecamente instável e suscetível a crises. Como é possível que as coisas funcionarem assim de maneira tão harmônica nesse ambiente aparentemente caótico, onde cada individuo (produtor ou consumidor) toma isoladamente suas próprias decisões? Não, não, isso não é possível, uma hora o capitalismo vai mergulhar numa crise profunda. Surgem então os profetas do apocalipse econômico. Entre os quais, um alemão barbudo, chamado Karl Marx.

Como a crise não veio, o capitalismo continuou seguindo em frente. Até que um dia, a profecia se tornou realidade. No dia 24 de outubro de 1929, a bolsa de valores de Nova York quebrou. Esse seria o estopim da Grande Depressão dos anos 1930, a maior crise da história do capitalismo em todos os tempos. O cenário era de completo horror. Nos Estados Unidos, a maior e mais poderosa economia do mundo, várias empresas iam à bancarrota aumentando cada vez mais o número de desempregados. Sem dinheiro para pagar aluguel, muitos trabalhadores foram despejados de suas casas e passaram a viver em barracos improvisados. As pessoas também não tinham dinheiro para comprar alimentos em quantidade suficiente e muitos morreram de subnutrição.

Será que o velho Marx estava certo? O capitalismo seria realmente um sistema ineficiente, predisposto a crises? Seria verdade que a economia de mercado carrega em seu bojo a semente de sua própria autodestruição? Por outro lado, a União Soviética passou incólume pela crise. Será que o sistema deles é melhor que o nosso? Não seria melhor abandonarmos o capitalismo e aderir a uma economia centralmente planificada?


CRASH DE 29 E A GRANDE DEPRESSÃO: desemprego, pobreza e subnutrição na economia mais rica do mundo.

Pois bem, nos anos 1930, um economista inglês salvou o capitalismo da extinção. John Maynard Keynes afirmou que aquela não era uma crise do capitalismo em si, mas sim a crise do capitalismo liberal. Segundo Keynes, “a guerra é um negócio sério demais para ficar nas mãos dos generais”. Da mesma forma, a economia é uma coisa séria demais para ficar nas mãos do mercado. Precisamos de um novo capitalismo, com um Estado atuante para evitar que novas crises aconteçam. Assim como generais precisam de um comando central, o capitalismo precisa de um Estado fortemente intervencionista. Essa nova doutrina foi batizada de keynesianismo em homenagem ao seu demiurgo.

Após a Segunda Guerra Mundial, praticamente todo o mundo capitalista se rendeu ao keynesianismo. Essa intervenção do Estado se dava de duas formas. Nos países desenvolvidos, o Estado passou a atuar fortemente no sentido de promover o bem estar social. Esse novo modelo de capitalismo ficou conhecido como Welfare State. Nos países em desenvolvimento, as idéias do economista inglês adquiriram uma nova roupagem. Aqui  faltava muita coisa a ser feita, não havia espaço ainda para a criação de um "Estado ama-seca". O governo assumiu então o papel de principal indutor do desenvolvimento. Estava criada uma nova doutrina: o “desenvolvimentismo”, uma espécie de keynesianismo de terceiro mundo.


LORD KEYNES: o homem que salvou o capitalismo.

Durante aproximadamente 30 anos (de 1945 a 1975), o keynesianismo funcionou muito bem. As economias capitalistas cresciam e geravam empregos. Parecia que o capitalismo estava finalmente no rumo certo. Porém, em meados dos anos 1970, boa parte do mundo capitalista entrou num estranho processo de estagnação econômica. Entenda-se aqui estagnação como um misto de baixas taxas de crescimento e desemprego elevado.  Agora era o keynesianismo que entrara em crise.

Assim como o liberalismo não convenceu a todos no século XIX, o keynesianismo também não conseguiu ser uma unanimidade cem anos depois. Com a nova crise, o mundo passou a prestar atenção no que alguns economistas fiéis ao liberalismo econômico tinham a dizer. Os liberais (ou neoliberais) entendiam que a causa da estagnação econômica estava justamente no Estado. Esse cresceu demais, ficou inchado, oneroso e ineficiente. Era necessário reduzir seu tamanho, torná-lo mínimo outra vez.

Meio complicado, concordam? O Estado no início era o vilão da história, foi transformado em mocinho e agora virou vilão novamente. Bem, os liberais argumentavam que o Estado sempre foi o vilão, tudo não passou de um erro de interpretação. Mas e as crises econômicas? Sem um Estado forte e intervencionista, o capitalismo não ficaria mais suscetível a crises? Bem, os tempos mudaram e agora o guru era outro, seu nome: Milton Friedman. Para o economista norte-americano, as crises não eram produzidas pelo mercado e sim pelo próprio Estado. O governo controla a quantidade de moeda em circulação. Dinheiro em excesso pode produzir bolhas (aumento dos preços) em certos mercados, principalmente ações e imóveis. Falta de liquidez, por outro lado, pode levar economias à recessão e à crise. Segundo Friedman, essa foi a causa da Grande Depressão dos anos 1930, um erro de cálculo do governo, que reduziu desnecessariamente a oferta de moeda. Portanto o correto é reduzir o tamanho do Estado, torná-lo mínimo. Mas não somente isso, o governo tem a função primordial de adequar a liquidez às necessidades da economia. A estabilidade do capitalismo depende fundamentalmente do volume de moeda disponível. Por isso Friedman e seus seguidores passaram a ser chamados de “monetaristas”.


MILTON FRIEDMAN: o Estado sempre foi o vilão da história.

Por que o mercado financeiro prefere os monetaristas aos desenvolvimentistas? A nossa amiga (aquela senhora muito nervosa) acha que os desenvolvimentistas são menos responsáveis em relação ao gasto público e à condução da política monetária. Voltando ao Alexandre Tombini, eu, particularmente, suspeito que ele seja mais monetarista que desenvolvimentista. Mas se ele assumir essa posição vai desagradar sua chefe, dona Dilma (desenvolvimentista). Mas, por outro lado, se disser que é desenvolvimentista, vai desagradar uma senhora mais brava ainda. Está certo ele, melhor ficar em cima do muro.

Entrevista com Milton Friedman (1975):



Para entender a crise financeira:

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